Após anos em queda, o número de pedidos de recuperações judiciais no Brasil pulou para quase 600 empresas no primeiro semestre de 2023, um aumento de 52% em relação ao mesmo período de 2022.
O número total de pedidos ainda é inferior ao registrado entre 2016 e 2018, onde o Brasil viveu uma de suas piores crises econômicas. No entanto, há uma clara mudança de tendência. Por exemplo, durante a pandemia houve um baixo número de pedidos devido ao apoio governamental e maior “paciência” dos credores.
Apesar do público, em geral, lembrar-se dos pedidos de alto impacto na mídia no Brasil e no mundo (ex.; Americanas, Oi, Light, Grupo Petrópolis)l, o que é relevante é notar o número crescente de empresas que estão recorrendo a reestruturações extrajudiciais atualmente. Alguns setores, como os produtos industriais, a construção, varejo e bens de consumo foram mais afetados do que outros. E, esta tendência deve-se manter nos próximos 12 a 24 meses, uma vez que os principais determinantes desta tendência provavelmente irão manter-se.
O que está impulsionando esta tendência?
Os principais determinantes da crescente tendência para a reestruturação são: a diminuição da rentabilidade das empresas, o aumento brutal do custo do serviço da dívida em empresas que se alavacaram e a consequente pressão sobre a liquidez das empresas.
A diminuição da rentabilidade ocorre devido a recente onda de inflação global e aumento dos custos das matérias-primas e energia. Muitas empresas até tentaram repassar o aumento de custos a seus clientes com pouco sucesso. O Grupo Petrópolis declarou em seu pedido de recuperação que só tinha conseguido repassar cerca 20% dos aumentos de preços das matérias-primas registados desde 2019, e esse esforço modesto resultou na perda em market share.
Antes da pandemia e durante a COVID, o acesso ao capital era mais fácil e barato, por isso muitas empresas brasileiras aumentaram seu nível de endividamento. Com taxas de juros de 2%aa em 2021, isso não era um problema, mas nos últimos dois anos a taxa Selic saltou para 12,75%aa. Isto aumentou drasticamente o valor do serviço da dívida para todos os devedores, e ainda mais para aqueles super-alavancados. Embora a taxa Selic tenha caído 50 pontos-base recentemente, o aumento da inflação (3,99% reportada em julho de 2023, ainda acima da meta do Banco Central) pode levar os formuladores de políticas a manterem a taxa Selic alta por um período longo.
Um montante significativo de dívida de aproximandamente100 bilhões de reais (20 bilhões de dólares) vencerá nos próximos 18 meses. Vencimentos ainda maiores estão previstos para 2025 e 2026. É certo de que as empresas enfrentem mais dificuldades para refinanciar ou prolongar a dívida que está a vencer. Como resultante de eventos de fraudes contábeis como na Americanas, as fontes de crédito diminuíram drasticamente seu um apetite ao risco, assim como exigirão maior transparência em relação a governança corporativa.
Para além da atual situação económica, e mesmo com as reformas aprovadas, os investidores estrangeiros ainda continuarão no curtíssimo prazo a navegar por dificuldades estruturais bem conhecidas, o "Custo Brasil", tais como: leis trabalhistas mais onerosas, elevados custos de produção, um sistema tributário complexo e algum risco regulatório.
Como é que as empresas se podem antecipar a estes problemas?
A nossa experiência de trabalho em estreita colaboração com empresas e investidores que enfrentam situações de reestruturação difíceis mostra que ambas as partes podem adotar medidas para evitar serem pegas em uma reestruturação judicial ou extrajudicial.
Os credores podem concentrar-se no reforço das suas capacidades de due diligence em relação ao desempenho financeiro e operacional da empresa, validando se os sistemas de controle interno são adequados e acompanhando mais próximo a performance da empresa, exigindo relatórios mais rigorosos durante o período do empréstimo. Ferramentas digitais podem auxiliar muito, sem aumento de esforço ou burocratização.
As empresas devem esforçar-se por melhorar a sua concentração na criação de uma verdadeira "cultura de caixa" que dê prioridade à gestão de liquidez. Tal incluiria: identificação e priorização de esforços/projetos de geração de caixa, implementação de sistemas e processos inteligentes de gestão de caixa, revisão de governança, ferramentas de previsão de caixa(a curto e a longo prazo) com base em informações em tempo real. Estas medidas podem incluir a redução dos custos operacionais, através do reestruturação da empresa/processos ou da renegociação agressiva de dívida, a redução das necessidades de capital de giro, a alienação de ativos não essenciais, assim como rever a alocação do capital disponível.
Embora seja sempre difícil para as empresas, o aumento das reestruturações empresariais cria também uma oportunidade para os fundos que pretendem capitalizar as oportunidades criadas pela atual situação do mercado. Nestas situações, podemos trabalhar com empresas e investidores para aumentar a transparência, estabilizar as finanças e melhorar as operações da empresa para preservar o valor.
Conclusão
As empresas brasileiras estão sofrendo com a alta da inflação e os elevados custos das matérias-primas, ao mesmo tempo que enfrentam condições mais rigorosas para pagar dívidas e obter crédito. No entanto, mesmo na atual situação econômica, as empresas podem adotar medidas para aliviar a situação, tendo um enfoque estratégico e sendo ágil na mudança nos seus objetivos e processos, criando, transparência e recuperando a confiança de credores e investidores.
Um agradecimento especial a Dario Gaspar pelas suas preciosas contribuições.